Entre os meses de agosto e outubro, o Centro Vocacional Tecnológico (CVT) do Instituto Mamirauá recebe jovens de diferentes territórios da Amazônia para o curso “Tecnologias Sociais da Amazônia”, uma iniciativa de formação e intercâmbio realizada por meio do projeto Entre Águas Amazônicas.
O curso tem duração de 2 anos e, nesses últimos meses, reuniu, na sede do Instituto Mamirauá, em Tefé (AM), 31 de unidades de conservação dos estados do Amazonas, Pará e do Amapá, como as Reservas Extrativistas (Resex) Maracanã, Filhos do Mangue, Mestre Lucindo, Viriandeua, Mocapajuba e Mãe Grande do Curuçá, Soure, Chocoaré-Mato Grosso (Pará), a Floresta Estadual do Amapá (Flota Amapá) e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (Beruri/AM), da região do Médio Solimões estavam representantes da Resex Catuá-Ipixuna, de territórios produtivos, como o Acordo de Pesca Paraná do Jacaré, da Comunidade Missão, além de representantes de associações e colônia de pescadores de Maraã, e organizações de agricultores. Também participam representantes de terras indígenas como Jaquiri e Porto Praia.
O curso tem como proposta integrar saberes técnicos e tradicionais, promover a autonomia juvenil e fortalecer o protagonismo de jovens que vivem do manejo dos recursos naturais em seus territórios, além de formar gestores para as organizações coletivas, dos projetos de manejo, proteção de territórios, além de facilitar ferramentas para proposição de políticas públicas.
Formação e propósito
O CVT foi criado em 2014 e tem como objetivo formar lideranças capazes de enfrentar os desafios vividos por comunidades afastadas dos centros urbanos, fortalecendo o protagonismo juvenil e a gestão sustentável dos territórios.
Nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, o aprendizado começa cedo: as crianças crescem observando e participando do cotidiano da pesca, do plantio e da coleta. Essa vivência constrói uma relação com o território e prepara jovens que, ao longo do tempo, assumem responsabilidades coletivas, aprendendo a se organizar, tomar decisões em grupo e buscar soluções conjuntas para os desafios locais. É esse potencial que o CVT busca fortalecer e transformar em ação.
Nesse sentido, o Centro oferece ferramentas para facilitar a transferência de gestão das ações de manejo, de cuidado dos territórios e das iniciativas produtivas. É um espaço que propõe estratégias de transição geracional, onde jovens passam a assumir papéis de liderança e gestão dentro de suas comunidades e associações. Com o passar dos anos, o programa se consolidou como uma referência na formação técnica e sociopolítica de jovens amazônidas, preparando-os para lidar com temas complexos que envolvem manejo sustentável, organização comunitária e políticas públicas.
Para Sandro Regatieri, coordenador do CVT:
“A proposta é que esses jovens possam dar continuidade às ações que seus pais e avós começaram, mas com novas ferramentas, com acesso a conhecimento científico e tecnologias sociais adaptadas à realidade amazônica. O CVT é uma ponte entre o conhecimento tradicional e o conhecimento técnico, como um só conhecimento que favorece uma gestão e uma vivência mais sustentável e comunitária”.
Por meio do projeto Entre Águas Amazônicas, nesse ano, o curso do CVT acontece, de forma inédita, integrando jovens de diferentes territórios e estados da Amazônia (Amazonas, Pará e Amapá), o que amplia a troca de experiências e a diversidade cultural dentro das formações. Essa nova configuração reforça o compromisso do Instituto Mamirauá em promover o desenvolvimento sustentável em toda a região amazônica, aproximando realidades distintas sob um mesmo propósito.


Foto: Julia A. Rantigueri
Oficinas e conteúdos formativos
Durante o curso, os participantes passam por uma formação que combina aulas teóricas, oficinas práticas e vivências de campo. As atividades são realizadas por pesquisadores e técnicos do Instituto Mamirauá e por docentes do Instituto Federal do Amazonas (IFAM), parceiro na iniciativa.
Entre os temas trabalhados estão Princípios Ecológicos para o Manejo, Gestão de Áreas Protegidas: Lideranças e Associativismo, Sociedade, Culturas e Desafios, História da Amazônia, Socioambientalismo e Legislação, Informática Básica, Mídias Digitais, Políticas Públicas, Tecnologias de Boas Práticas e Produção Orgânica, Gênero e meio ambiente, Mudanças Climáticas.
Em setembro, os estudantes participaram também de oficinas de diagnóstico rápido participativo (DRP), rodadas de negócios e atividades sobre sanidade produtiva, mudanças climáticas e turismo de base comunitária. Como parte do plano formativo deste ano, os jovens vão voltar para os seus territórios e, em articulação com as suas associações e com os conhecimentos adquiridos pelo tempo em Tefé, vão elaborar um diagnóstico participativo. Em seguida, com o suporte de uma mentoria do Instituto Mamirauá, eles desenvolverão e executarão um plano de ação ao longo do restante do ano, aplicando os conhecimentos adquiridos e fortalecendo as iniciativas em suas comunidades.
“A ideia é oferecer uma formação que possa ser aplicada em qualquer território, com temas que unem ciência, saberes locais e cidadania. Queremos que esses jovens levem o aprendizado para suas comunidades e fortaleçam as iniciativas já existentes, com muita troca de experiência e conhecimentos”, afirma Sandro Regatieri.
Para a participante Gilmara Furtado, da Resex Chocoaré-Mato Grosso, no Pará, o curso tem sido uma oportunidade de crescimento pessoal e coletivo:
“E eu estou aqui dentro do CVT participando de várias oficinas desde que cheguei em Tefé, no Instituto Mamirauá. Aqui, estamos aprendendo como ser jovens líderes, como liderar a comunidade, como ter uma boa relação com a população, com a nossa comunidade e, principalmente, como desenvolver projetos dentro da nossa comunidade.
Representando o estado do Amapá, Bruno Leal, da Associação Sementes do Araguari, destaca a importância de participar do curso: “Os conhecimentos que eu acho que vou levar daqui são sobre liderança, porque na nossa associação não tem tantas lideranças jovens. Quero sair daqui com esse pensamento formado, de chamar mais os jovens, para que demonstrem mais interesse e pratiquem”.

Foto: Tácio Melo
Intercâmbio de territórios e saberes
O curso faz parte de um intercâmbio de conhecimento entre diferentes biomas da Amazônia, conectando jovens que vivem em várzeas, florestas e manguezais. Essa troca é promovida pelos projetos Entre Águas Amazônicas e Sustenta Mangue, ambos executados pelo Instituto Mamirauá e parceiros.
O Entre Águas Amazônicas atua em mais de 4,8 milhões de hectares nos estados do Amazonas, Pará e Amapá, fortalecendo a gestão participativa dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis. O projeto conta com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), execução do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e implementação pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Já o Sustenta Mangue, com atuação na costa do Pará, busca garantir um futuro sustentável para os manguezais amazônicos, por meio de capacitações técnicas, fortalecimento da governança local e monitoramento da biodiversidade.
“O que torna o CVT especial é justamente essa troca entre realidades diferentes. Jovens de manguezais, florestas e rios convivem, aprendem juntos e voltam para casa com novas ideias para transformar seus territórios. É um processo de formação e transformação ao mesmo tempo”, resume Sandro Regatieri.
Texto: Julia A. Rantigueri
